Bebês reborn são reais – basta você acreditar.

2.julho

Agência da 4Buzz

Qual a relação entre o comportamento, o conteúdo, as mídias e a compreensão em massa deste movimento?

“Só pode ser louca uma mulher que trata uma boneca como se fosse uma criança de verdade. Isso é um absurdo!”.

Quem nunca leu essa frase, ou até mesmo projetou essa opinião, seja publicamente ou em pensamento? Esse movimento da opinião geral sobre um comportamento que ganhou força nos últimos anos diz muito mais sobre quem observa do que sobre quem é observado. Mas, acima de tudo, diz muito mais sobre a visibilidade que certos comportamentos têm alcançado e as percepções geradas diante da distribuição algorítmica e descontextualizada dos conteúdos de forma massiva.

As redes sociais têm um poder imenso de amplificar percepções e, muitas vezes, distorcê-las. No caso das mulheres que colecionam ou brincam com bebês reborn, esse poder pode gerar impressões equivocadas – e até estigmatizantes –, quando vídeos de mulheres cuidando de bonecas simulando partos, passeios ou amamentação frequentemente viralizam sem qualquer explicação do contexto emocional, artístico ou terapêutico envolvido. Isso leva o público a interpretar essas ações como bizarras ou patológicas, quando, muitas vezes, são apenas encenações ou hobbies legítimos. As plataformas priorizam conteúdos que geram engajamento, e isso inclui polêmicas, julgamentos e reações extremas. Assim, vídeos que causam estranhamento são mais promovidos do que conteúdos explicativos ou educativos, reforçando estereótipos e preconceitos.

Mulheres que demonstram afeto por bonecas reborn são frequentemente rotuladas como “infantilizadas”, “carentes” ou “loucas” nas seções de comentários. No entanto, as redes raramente mostram que muitas dessas mulheres usam as bonecas como ferramentas de enfrentamento emocional, especialmente em casos de luto, infertilidade ou solidão. Quando essa dimensão é ignorada, o comportamento é visto como excêntrico, e não como uma forma legítima de cuidado simbólico. Isso revela um preconceito de gênero, já que hobbies masculinos igualmente lúdicos, como colecionar carrinhos, aeromodelismo, jogar videogame ou colecionar álbum de figurinhas de futebol, raramente recebem o mesmo tipo de julgamento.

Brincadeira de criança… só que não!

A relação comportamental entre homens que jogam videogame e mulheres que colecionam ou brincam com bonecas na vida adulta revela muito mais sobre normas sociais e papéis de gênero do que sobre os hobbies em si. Tanto o videogame quanto as bonecas representam formas de atividade lúdica, que podem funcionar como válvulas de escape, fontes de prazer, ou até ferramentas terapêuticas.

A psicologia reconhece que o brincar não é exclusivo da infância, ele pode ajudar na regulação emocional, no alívio do estresse e na expressão de afetos reprimidos. Existe uma assimetria cultural na forma como esses comportamentos são percebidos. Jogar videogame é amplamente aceito para homens adultos, sendo associado à tecnologia, competição e habilidade – características valorizadas socialmente no universo masculino. Já mulheres que brincam com bonecas, especialmente bebês reborn, muitas vezes enfrentam julgamento, sendo vistas como imaturas ou emocionalmente frágeis.

Essa diferença de julgamento está enraizada em estereótipos de gênero: o cuidado e o afeto são tradicionalmente atribuídos ao feminino, mas desvalorizados quando não estão a serviço de terceiros (como filhos ou parceiros). Assim, quando uma mulher brinca de boneca por prazer próprio, isso desafia expectativas sociais e causa estranhamento. Ambos os comportamentos podem ter funções emocionais profundas. O videogame pode oferecer senso de conquista, controle e pertencimento. Já bebês reborn, por exemplo, podem representar vínculos afetivos, servir como objetos transicionais em processos de luto ou até ajudar na organização da rotina emocional.

Há uma tendência cultural de patologizar o brincar adulto, especialmente quando ele foge do padrão masculino. Homens jogarem videogame é considerado normal; já no caso das mulheres, existe uma resistência. Isso revela um preconceito estrutural que associa a maturidade à negação do lúdico, especialmente para mulheres. O que diferencia a aceitação social desses comportamentos não é sua natureza, mas sim os papéis de gênero historicamente construídos. Ao reconhecer isso, abrimos espaço para uma compreensão mais empática e menos normativa das formas como adultos buscam prazer, conforto e expressão emocional.

Se foi publicado, é público. Se é público, virou publicidade!

O hobby com bebês reborn, praticado por mulheres adultas, reflete uma transformação cultural que impacta diretamente a comunicação e a publicidade. Esse fenômeno transcende o simples colecionismo e envolve aspectos emocionais, sociais e até terapêuticos. Sendo assim, não são apenas objetos de coleção – elas carregam significados profundos relacionados à afetividade, memória e projeção de desejos pessoais. Esse vínculo emocional cria uma narrativa poderosa para a publicidade, que pode explorar conceitos como nostalgia, vínculo maternal ou a busca por conforto emocional. Isso evidencia um nicho de mercado específico, onde as campanhas precisam ser altamente segmentadas e personalizadas. A publicidade pode enfatizar a exclusividade e a autenticidade dessas peças, criando estratégias de comunicação que valorizem a experiência individual.

Colecionadoras de bonecas reborn frequentemente compartilham suas experiências em grupos online, redes sociais e fóruns especializados. Esse cenário propicia o marketing de comunidade, no qual influenciadoras e criadoras de conteúdo ajudam a legitimar e expandir o interesse pelo tema. Marcas podem investir em parcerias estratégicas, explorando o poder do boca a boca digital. A comunicação voltada para esse público pode se beneficiar do storytelling emocional, ressaltando a conexão das colecionadoras com suas bonecas. Campanhas publicitárias podem apresentar histórias reais, depoimentos e até vídeos mostrando o impacto das bonecas na vida das pessoas, gerando maior engajamento.

O colecionismo de bonecas reborn exemplifica a convergência entre marketing experiencial, consumo simbólico e marketing de nicho. As marcas que compreendem essas dinâmicas podem criar estratégias de comunicação mais eficazes, explorando a conexão emocional e a construção de comunidades engajadas.

Portanto, não – as mulheres que praticam esse hobbie não creem realmente que estão lidando com seres vivos reais, mas sim exercendo seus hábitos lúdicos de forma pública e segmentada, voltada para públicos altamente interessados. Restando para a grande massa impactada pelos algoritmos a simples incompreensão do fato – e a livre manifestação de suas opiniões.

Para as empresas, cabe compreender o real significado da construção de suas marcas no âmbito emocional e afetivo de seus públicos e o poder das redes nesta empreitada.